Tereza de Benguela vive: mulheres negras são guardiãs da cultura quilombola no Maranhão

25 de julho é o Dia Nacional Tereza de Benguela e da Mulher Negra, pela Lei nº 12.987, de 2014. A data foi instituída para homenagear uma das principais lideranças femininas da luta contra a escravização. 

Tereza de Benguela chegou ao Brasil no século 17 embarcada do sul de Angola, via portos de Benguela, para ser escravizada em áreas de mineração.

Ficou conhecida pela sua liderança no Quilombo do Quariterê, localizado no território que corresponde atualmente ao estado do Mato Grosso do Sul. O povoado era ocupado por negros e indígenas que se opunham ao regime escravocrata.

Tereza esteve à frente das decisões administrativas e econômicas do grupo, incluindo sua organização política e militar, uma vez que o quilombo era atacado com frequência. Ao longo do tempo, o Quariterê cresceu e se tornou um grande núcleo de resistência. Foi assim que Tereza ganhou o título de “Rainha Tereza do Quariterê”. 

Histórias como essa nos parecem distantes, mas guardam vestígios vivos. Pelo Brasil afora, mulheres negras são responsáveis por organizar, zelar e manter as áreas remanescentes de quilombo, que são parte fundamental da história do Brasil. 

Se no período colonial a ameaça era o próprio regime escravocrata, atualmente, grandes indústrias e atividades relacionadas ao agronegócio disputam território com os quilombos. O país tem mais de 1 milhão de pessoas quilombolas, contudo, menos de 500 quilombos são reconhecidos oficialmente. O reconhecimento é fundamental para a conquista de direitos, como a demarcação da terra.

A dimensão cultural, marcada pelas atividades de subsistência, como a pesca e a roça; a gastronomia, a música e os artesanatos, também sobrevivem com muita luta. Em um país continental como o Brasil, cada quilombo tem sua própria manifestação, mas é possível observar, como elemento comum, a falta de espaço no reconhecimento entre o público geral, que por sua vez, é condicionado a dar mais valor à cultura hegemônica advinda da colonização.

Legado quilombola maranhense

No Maranhão, as mulheres negras são símbolos do atravessamento do quilombo no tempo. Se juntar o Maranhão e a Bahia, os estados juntos abrigam metade (50,16%) da população quilombola do país. No Maranhão, cerca de 75% da população do estado é negra, segundo o IBGE. 

Na cidade de Barreirinhas, um dos municípios que compreende o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, dona Albertina Rocha, de 78 anos, é uma das líderes do Quilombo do Cantinho, que reúne mais de 170 famílias.

Bebel, como é conhecida, é bisneta de uma mulher escravizada, que já chegou ao Brasil grávida. Na época, os fazendeiros separavam forçadamente as mães de seus bebês, o que levou a criança a ser deixada aos cuidados de um médico da cidade. Sem o filho no colo, muito provavelmente sua bisavó foi ama de leite, a mulher negra que dá o próprio peito para alimentar os filhos das sinhás. Uma história que todo o brasileiro já ouviu falar e não está tão distante de nós.

Dona Bebel, do Quilombo do Cantinho (Crédito: Beatriz Mazzei)

Dona Bebel estudou e se tornou professora do Quilombo do Cantinho, alfabetizando diversas pessoas da comunidade. Ela também ensinou às mais novas a dança de São Gonçalo, ritual no qual as mulheres dançam com suas saias rodadas e realizam oferendas para São Gonçalo e São Benedito, o santo preto. 

Em outra ponta do estado, na cidade de Cururupu, região do Litoral Ocidental maranhense, Anália Santos Ribeiro, de 75 anos, também é um nome influente  do Quilombo Entre Rios, que foi fundado por sua bisavó Vicencia Ribeiro, escravizada que fugiu de uma fazenda e se embrenhou pelas matas. Por lá, São Benedito também é rei. Padroeiro da comunidade e dono de um festejo regado à cantor de crioula.

Mulheres como dona Bebel e dona Anália são guardiãs da cultura quilombola e deixam seu legado em vida. Elas são mães, avós, bisavós, tias, professoras, e influenciam a nova geração. Rayane Nascimento, de 27 anos, do Cantinho, é um dos exemplos de que a caminhada se perpetua: a jovem também sonha em ser professora e tem como missão criar projetos para trabalhar a identidade e o pertencimento das crianças com a comunidade.

Dona Anália, do Quilombo Entre Rios (Crédito: Beatriz Mazzei)

Ela também quer documentar esses saberes marcados pela oralidade. São registros como esses que deveriam estar nas escolas, fazendo valer a Lei 10.639, que regulamenta o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Lei essa que completou 20 anos em 2023, mas ainda enfrenta desafios para implementação na prática.

Com brilho nos olhos, Rayane fala sobre sua comunidade e suas antepassadas com respeito e carinho. Ela sabe de onde veio e para onde vai. É assim a história continua…

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Beatriz Mazzei

É jornalista com atuação em Diversidade, Cultura e Impacto Social. Atualmente é repórter freelancer do Núcleo de Diversidade do UOL, com textos publicados em Ecoa, Splash, Universa, TAB e Notícias. Também colabora para o Alma Preta Jornalismo, e tem passagem pela redação da Marie Claire, onde cobriu entretenimento, questões de gênero e violência contra a mulher.

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