Luiz Gama é o primeiro negro brasileiro a receber o título de doutor honoris causa pela Universidade de São Paulo (USP). A votação do conselho universitário ocorreu na última terça (29) e reconheceu de forma unânime a atuação do poeta, jornalista e advogado na libertação de escravizados no século 19. Com seu trabalho, o abolicionista conseguiu libertar pelo menos 500 pessoas.
Antes de Gama, o único negro a receber a honraria da USP tinha sido Nelson Mandela, político e ativista da África do Sul, que foi reconhecido como doutor honoris causa em 2000. A lista que a universidade homenageou com o título é composta por outras 118 pessoas brancas.
O reconhecimento de Luiz Gama como doutor pela USP foi visto por ativistas como “reparação histórica”. O ator, diretor e ativista Max Mu afirma que leu uma matéria jornalística que diz que a “USP decidiu corrigir um erro histórico”, mas considera que o texto deveria ser “aceitou a proposição do movimento negro, da comunidade negra de fazer essa justa reparação”.
O jornalista e escritor Oswaldo Faustino, autor de “A Luz de Luiz”, que traz a história de um Gama fictício que junto com quatro adolescentes, considera que há uma “correção de erro histórico” e que ficou emocionado pelo simbolismo do título. “Principalmente pelos argumentos unânimes, a favor, de 15 conselheiros e conselheiras (cada qual representando uma área do conhecimento, uma escola da USP) defendendo a concessão, contextualizando e principalmente apontando a importância simbólica desse título no momento de barbárie em que vive o nosso País”. Faustino lembra que, apesar da felicidade, “ainda são necessárias muitas outras medidas de reparação, no sentido da equidade, urgentemente, mais que necessária”.
Para a jornalista e pesquisadora Cinthia Gomes, que defendeu um mestrado na USP sobre a atuação de Gama como jornalista, o título é um reconhecimento, ainda que tardio, da contribuição excepcional do intelectual para um projeto de nação e para a emancipação da humanidade do negro. “Luiz Gama atuou no campo das Letras, da Comunicação e do Direito pela construção de uma sociedade livre e democrática, por meio das lutas abolicionista e republicana. Consciente e orgulhoso de sua origem africana, Gama deixa um legado de autodeterminação e afirmação positiva da identidade negra, no qual nós e as futuras gerações podemos nos reconhecer e nos espelhar”, ressalta.
Gama é considerado o “primeiro intelectual público brasileiro” por Dennis de Oliveira, integrante do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (Neimb) da USP e professor no departamento de jornalismo da universidade. Ele foi um dos responsáveis pela proposta de homenagear o abolicionista. “No jornalismo, na poesia e nas letras, Luiz Gama militava em prol do abolicionismo. Por isso foi um intelectual público. Ele fez uma análise sofisticada do que era a sociedade daquela época e expressou isso em sua produção literária, jornalística e jurídica com um objetivo: acabar com a escravização”, explicou Oliveira, em entrevista ao Jornal da USP.
Para a professora do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Ligia Ferreira, que se considera “arqueóloga” de Gama por resgatar textos do jornalista e publicá-los, como fez nos livros “Lições de Resistência” e “Com a Palavra, Luiz Gama”, esse é um reconhecimento póstumo, porém justo. “Ele foi um pioneiro da campanha abolicionista e republicana. A obra de Luiz Gama nos mostra a importância dele na divulgação de ideias que foram fundamentais para o Brasil da época”, enfatizou, em entrevista ao Notícia Preta.
Em 29 de julho, estreia o filme Doutor Gama, de Jeferson De, que mudou o título da produção exatamente para fazer o reconhecimento do abolicionista com a importância devida. Além da homenagem como doutor pela USP, os movimentos negros falam da importância da história de Luiz Gama ser ensinada nas escolas, além de mais homenagens, como a do busto do Largo do Arouche, em São Paulo, e do Largo do Tanque, em Salvador. “Queremos mais homenagens, como estátuas, nome de praça, de rodovias, de ruas, de aeroporto reconhecendo Gama, que foi a figura mais importante da São Paulo do século 19”, afirma Cinthia Gomes.
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