Guilherme Soares Dias
Tudo começou quando a Caminhada São Paulo Negra, tour que realizamos há dois anos, foi perseguida por dois policiais que disseram ter um ofício que pedia para acompanhar uma manifestação. O grupo de 12 pessoas que pagou R$ 60 para estar ali viveu a história enquanto ouvia histórias de racismo estrutural. Fomos constrangidos e intimidados enquanto trabalhávamos. Tours de pessoas brancas que contam histórias brancas não são confundidos com manifestações.
Fiquei dias sem dormir direito, ansioso, com medo toda vez que via a PM na rua. Fomos a delegacia de crimes raciais fazer denúncia. Só brancos lá. Zero acolhimento. Muita repercussão na mídia. Nenhuma resposta jurídica do tal ofício que a PM teria recebido para seguir a caminhada. Estamos tentando entrar com ação indenizatória, outro passo, que ainda vai vir…
Sugerimos trazer a polícia pra perto. Fazer com que eles conheçam essa história, para valorizá-la, não criminalizá-la. Fomos para aula deles e amanhã (11/12) eles vêm pra caminhada conosco na rua. Na aula, falei da história da chegada das pessoas negras no Brasil de maneira forçada para trabalhar como escravizados, tratados como mercadorias. Da história de criminalização que perseguia pessoas negras vivendo juntas (quilombos) e que eram livres no século 18 e 19 e depois da Lei da Vadiagem, da perseguição ao Funk, Samba, religiões de matriz africana, capoeira e agora da Caminhada São Paulo Negra.
Tudo que é de negro é perseguido. Não é coincidência, nem mal entendido. É racismo estrutural. Eu disse isso lá olhando nos olhos deles que fugiam do meu… Falei do tipo de turismo que praticamos o afroturismo que valoriza e potencializa as histórias e a cultura negra. É novo, mas cresce cada dia. Que pessoas negras juntas podem e devem estar fazendo turismo, um passeio. Que negros correndo pode ser porque estão atrasados não porque são suspeitos…Parece óbvio, mas não é. Precisa ser dito e repetido até ser entendido.
A cada dez pessoas que a PM mata, sete são negros. Isso não é passado (ainda), mas precisa mudar. Espero que pelo menos um tenha pego a visão e que ação reverbere pra que nunca mais pessoas negras tenham sua existência colocada à prova, tenham seu trabalho constrangido, que elas possam existir na rua livremente e usarem o espaço público sendo protegidas e não perseguidas pela PM.
Foi histórico!
Não nos consideramos corajosos por isso. Corajosos são os nossos que lutaram contra a escravização, que lutam todo dia pra sobreviver, nossas mães pretas que nos criaram solas. Sim, estivemos nervosos. Heitor Salatiel que me acompanha nessa caminhada especialmente aflito. Suou, gaguejou, precisou ir ao banheiro… Mas deu seu recado sobre ter sempre visto a polícia agredir os seus na periferia…Lembramos que a própria Black Bird Viagem vai para a periferia com seus tours no ano que vem e queremos ser respeitados lá. Sabemos que a abordagem da polícia nas periferias brasileiras é ainda mais cruel.
Foram apenas 20 minutos. Não teve tempo para perguntas. A gente até tentou, mas não rolou. Os coronéis superiores trocaram sorrisos, apertos de mão e gestos que incitam o diálogo e o quanto estariam abertos a ações como essa. Eles tentaram justificar os erros da corporação dizendo que é uma minoria e que muita coisa ficou no passado. A parte do passado, infelizmente, sabemos que não é realidade. Esperamos que neste 11 de dezembro possamos ter uma troca e um diálogo aberto e que a nossa história que é forte e potente seja cada vez mais conhecida. Que outras turmas da PM possam conhecê-la, que as escolas, empresas e cidadãos vejam somar na disseminação dessa história que é de todos os brasileiros e que nos foi negada e apagada.
Viva as pessoas negras!
A Caminhada São Paulo Negra segue proporcionando uma experiência única e transformadora.