Potências negras: o grupo de Whatsapp que se transformou em “Wakanda virtual”

Quando a influenciadora digital e jornalista Maíra Azevedo, mais conhecida como Tia Má, resolveu criar em 1 de maio de 2019 um grupo de Whatsapp para fortalecer pessoas negras de diversas áreas, conseguir trabalhos e divulgar o que estava sendo feito, ela talvez não imaginasse que o “Potências Negras” se tornaria um canal com verdadeiros “representantes de Wakanda”, o reino do filme Panteras Negras. Afinal, um ano depois são cerca de 135 pessoas entre comunicadores, pessoas ligadas as artes, influenciadores digitais, advogados e profissionais da saúde.

São pessoas, principalmente, de Salvador, Rio, São Paulo e Brasília. Estão por lá, as atrizes Jeniffer Nascimento, Cris Vianna, Lázaro Ramos, Rodrigo França, o diretor de TV Elísio Lopes Jr. A lista conta com as cantoras Preta Gil, Tereza Cristina, Paula Lima e influenciadores digitais como Roger Cipó, Preta Araújo, Yuri Marçal, Preta Rara, Xan Ravelli, além da apresentadora Maria Julia Coutinho (Maju) e a escritora Conceição Evaristo, que recentemente pediu para entrar no grupo.

Mas nem só de figuras tão conhecidas pelo público vive o Potências Negras. Também fazem parte médicos como Fred Nicácio e Katllen Conceição, a roteirista Renata Martins e jornalistas como Raoni Oliveira (TVE Bahia), Silvia Nascimento (Mundo Negro), Thais Bernardes (Notícia Preta), Dríade Aguiar (Mídia Ninja), André Santana (Correio Nagô), Flávia Oliveira (O Globo), Marcos Luca Valentim (Sport TV/Notícia Preta), além de mim, Guilherme Soares Dias (aqui do Guia Negro). Estou no grupo desde março e a experiência é interessante. Não tem como não se sentir mais forte e acolhido por gente que tem histórias e pautas parecidas com as suas. São centenas de mensagens por dia. Você interage com pessoas que antes eram  distantes e agora fazem parte da mesma rede. Há trocas de ideias, debates acalorados, divulgações, mas também assuntos amenos, como flertes e fotos da infância.

Potente foi a primeira ação que participei de post coletivo, com todos do grupo reagindo a um caso de racismo e lembrando que o tema também deve ser debatido pelas pessoas brancas. Um ex-diretor de TV disse entre outros absurdos que Maju só estava no Jornal Hoje por conta da cor. Amigo de famosos Rodrigo Branco não foi alvo da crítica dos mesmos. Foi o suficiente para o grupo reagir. “O seu silêncio é racismo”, dizia o card feito pelo coletivo. O conteúdo viralizou e foi respostado por muitos famoso, incluindo pessoas brancas.

Por ora coronavírus é tema proibido, já que pessoas do Potências Negras tiveram a Covid-19 e a intenção é que o espaço seja um lugar para cura. O Big Brother Brasil (BBB) 20 foi um tema amplamente debatido e a vitória da médica Thelma Assis comemorada e apoiada pelos membros. O grupo também tem seus paredões que eliminam aqueles que não interagem e possibilita a entrada de novas pessoas. “Não queremos voyer”, ressalta sempre Maíra Azevedo.

A intenção é criar um quilombo, uma Wakanda virtual para tornar cada um e todos mais fortes. “Uma das maiores tecnologias do nosso povo é se agrupar. E assim fizemos! Um quilombo virtual que estimula a potência que mora em cada uma, em cada um, de nós. Potências Negras é resistência, é amor, é afeto, mas é também a nossa capacidade de pensar e construir um futuro com mais gente preta em todos os espaços possíveis! Salve um ano de potências!”, diz o texto do Instagram, que comemora um do coletivo.

De grupo de Whatsapp, virou perfil no Instagram e criador de campanhas importantes para valorização do povo preto, como resume a atriz Luana Xavier em vídeo no IGTV. “Tornou-se a nossa Wakanda, o nosso quilombo, reino de acolhimento, debate, afeto. Nem todo dia a gente está vestido para guerra. Há dias que só queremos dividir amenidades. Nós citamos Ângela Davis e discutimos BBB com a mesma disposição”, ressalta. Luana define Maíra Azevedo como CDF, humorista, militante e ressalta sua “genialidade”.

A própria Tia Má conta como tudo começou em mensagem que deixou no grupo no dia em que completou um ano (1 de maio):

“Há um ano, estava em casa, em pleno feriado do dia do trabalho e ao ler algumas matérias que mostravam que a população negra segue sendo aquela com os piores índices de desemprego, pensei em criar um espaço que a gente pudesse ter ajuda mútua. Em um momento de desespero, a quem recorrer? Muita gente preta não tem. É isso me desespera. Olhei minha lista e vi que conhecia muita gente potente, outras com maior poder aquisitivo e influência, e outras menos. Então, pensei: e se a gente coloca todo mundo junto e possibilita que essas pessoas se conheçam e se ajudem. Que a gente pudesse ser ponte um dos outros. Evitar que mais dos meus entrassem em desespero quando perdessem trabalho. Recebo muitas mensagens pedindo ajuda financeira ou para arrumar um emprego. A gente conseguiu fazer isso. Alguns integrantes contrataram pessoas por meio de indicações que surgiram daqui. Foram muitas, mas destaco Preta Gil porque foi a primeira. Além do mais, o espaço se tornou também um local de aconchego e acolhimento virtual. E cada pessoa que era e é acolhida aqui, me fazia entender o quanto é falso esse discurso de que gente preta tem dificuldade de demonstrar afeto.

O grupo cresceu, e confesso para vocês, que reconheço que se tornou algo tão potente por conta da presença de cada pessoa que entendeu o nosso propósito. Fazemos ações virtuais, mas também ofertamos ações concretas! Temos assistência jurídica e psicológica para gente preta e também a criação de campanhas que fortalecem os nossos e nossas. Podemos fazer coisas lindas e maravilhosas. Temos uma rede foda de colaboração, mas destaco Dan Souza, da Xeidiarte, que não recebe um real e se propõe a fazer nossas artes. Quero falar das outras administradoras do Grupo Val Benvindo, Luana Xavier, Renata Martins Potências e Lugana Olaiá, que toparam o desafio de gerenciar esse grupo. Mais do que isso, aceitaram construir uma relação de amizade. Até brincamos que deveríamos colocar em nossos currículos que temos experiência em gerenciamento de grupo de zap, porque é um desafio enorme. Aqui, é o único espaço do mundo que eu concordo com a frase ‘Somos todos iguais’, com exceção de Conceição Evaristo, que é a nossa Deusa! Muito obrigada a cada potência que guarda em si o desejo de fazer a revolução para o povo preto!”.

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Redação

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