Turismo tradicional não está preparado para o afroturista

O afroturista é uma potência invisível para o mercado tradicional do turismo brasileiro.  O racismo gera prejuízos quando ignora o potencial de consumo dos negros brasileiros, que são 56% da população, com a capacidade de R$ 1,7 trilhão. E, apesar de sermos a maioria nas classes C , D e E , foram as que mais aumentaram o consumo com viagens. Sim, apesar de todo esse potencial, os turistas negros são ignorados como prioridade para os fornecedores do turismo tradicional.
É preciso ter muita coragem para ser um afroturista no mercado tradicional do turismo brasileiro. Mesmo utilizando a melhor tecnologia disponível, nós não temos como fugir de situações racistas que acontecem durante a viagem e, por irônico que seja, quanto melhor/mais caro for a mesma, maiores são as chances destas situações. Acontecem porque infelizmente existe um status quo racista que nós negros só podemos viajar para alguns destinos e realizar apenas um determinado perfil de viagem. Qualquer situação que fuja a este status pré-estabelecido gera estranheza e muitas vezes rejeição em ver turista negros em certos ambientes.
Mesmo com todos os movimentos/iniciativas antirracistas antes e pós #blacklivesmatters ou #vidasnegrasimportam foram raras as empresas do setor no Brasil que se posicionaram para apoiar ou refletir sobre o tema. Assim como os meios de comunicação do setor, a maioria das empresas ignoraram tudo que estava acontecendo na sociedade, mesmo sendo pauta durante meses dos principais meios de comunicação no mundo, nos principais setores da economia, nas redes sociais. Vergonhosamente o racismo estrutural e tradicional é predominante nas atuais empresas do setor, pois o silêncio demostra a cumplicidade conveniente sem nenhum sinal de incômodo com esta mazela da humanidade.
E sim, meus amigos, muitos casos de racismo acontecem com os corajosos turistas negros que ousam ultrapassar o limite pré-estabelecido pelo racismo para nossas viagens. Uma turista negra estava em um cruzeiro de uma grande companhia do setor com várias sacolas de compras (normais para qualquer turista) e foi abordada pelo segurança, que disse que ela não podia vender nada no navio. Em nenhum momento checaram o voucher dela antes da abordagem. Uma turista negra estava em uma restaurante em um bairro nobre no Rio de Janeiro com um grupo de amigos brancos e durante todo momento em que estava no local, sofria olhares discriminatórios, todos de clientes brancos, pois ela era a única negra ali no momento.
Durante um voo, um viajante negro que estava na mesma classe e assento, foi impedido de usar seus eletrônicos, teve utensílios negados para sua refeição, enquanto passageiros brancos que estavam ao seu lado foram tratados de maneira totalmente cordial, com todas os seus pedidos prontamente atendidos. Um hóspede negro de um hotel de um bairro nobre de São Paulo foi agredido pelo segurança, pois foi confundido com um ladrão. Ainda ouviu a frase para justificar a agressão: ” ô negão, me desculpa, te confundi com um ladrão que tentou me assaltar “.  Uma palestrante negra de um evento em um hotel de grande porte no Rio de Janeiro foi direcionada para a entrada de serviço, pois pensaram que ela era do serviço de buffet.
Negro, proprietário de apartamento, após disponibilizar quartos na plataforma de locação de acomodações, é questionado se é mesmo o anfitrião ou até mesmo sofre a desistência da hospedagem ao descobrirem que ele é o dono. E acontece o mesmo quando negros utilizam a plataforma. Uma hóspede negra que estava em um hotel de luxo na sua lua de mel sofre um assédio de um hóspede branco, achando que ela é prostituta, pelo fato de seu marido ser branco. Em um grupo de hospedagem de uma afro empreendedora do turismo,  uma cliente recebe a seguinte abordagem no elevador do hotel de hóspedes brancos: “pode limpar meu quarto , só voltamos a noite “.
Uma hóspede branca de um hotel de luxo no interior de São Paulo reclama para gestão do hotel quando uma menina negra, filha de outros hóspedes, utiliza a piscina. E utiliza a seguinte frase: “ela não vai utilizar a mesma piscina dos meus filhos”.  Está impressionado? Pois não fique. Este e muitos outros casos semelhantes, mais graves ou mais sutis acontecem nas viagens de turistas negros.
E afirmo que o mercado tradicional do turismo atual não esta preparado para o AFROTURISTA porque ele não faz nada para mudar e prevenir para que as situações descritas acima não aconteçam. Em muitos casos, negros, famílias negras não fazem parte de suas campanhas de marketing. E acham normal não ter negros em posições de lideranças com autonomia em suas empresas. Ah, mas é leviano da sua parte falar que a empresas do setor pensam assim. Infelizmente, nenhuma delas (com raríssimas exceções) tem fatos e ações para contradizer as minhas afirmações. E digo mais, nos principais eventos do setor, raramente tem negros nos painéis de debates do setor , muitas vezes sequer somos convidados para falar de AFROTURISMO, por exemplo.
Então, os negros desistiram das viagens ? Não , muito pelo contrário. O AFROTURISTA é emponderado e ele estará onde quiser e merecer estar.  E junto dele e para apoiá-lo vem outra potência que é o AFROTURISMO, onde ele não precisará ter as preocupações acima, pois estará com os seus, cuidando para que suas viagens sejam o que deveriam ser em uma sociedade antirracista: experiências prazerosas e inesquecíveis.
E para você, do mercado tradicional que leu este texto , se sentiu mal e ainda não aceita esta realidade, lembre-se: alguma vez você perguntou para seus colaboradores ou hóspedes negros se seu negocio é antirracista? Você não tem como negar nada do que escrevi acima se não fez a pergunta, mas para fazer a pergunta não pode ter medo da resposta. E se fosse você , iria rapidamente atrás da resposta , pois pode perder potenciais clientes que podem salvar seu negócio pós-pandemia.  E, antes de “alimentar” qualquer ilusão que da noite para o dia seu negócio pode se tornar antirracista , não perca seu tempo. Seja prático. Contrate uma consultoria negra para te ajudar, pois além de otimizar seu tempo, você será estratégico para preparar seu negócio para o futuro. Sim, a sociedade a cada dia que passa, deseja um mundo sem preconceitos, pois os mesmos geram prejuízos financeiros, pecado mortal para o capitalismo. E você decide, se escolhe o caminho tradicional e arcaico da falência ou a mudança necessária para ter um negócio socialmente responsável.
AFROTURISTAS são uma potência, que terá seu apoio no AFROTURISMO e iremos onde somos bem vindos, pois nos emponderamos para não aceitar mais o racismo. Estaremos onde quisermos e onde merecermos estar.
*Hoteleiro por vocação e paixão. Atua como consultor em projetos comerciais na hotelaria e faz parte da iniciativa Negros; Pretos Afro Turismo AfroHotelaria

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Hubber Clemente

Negro, paulistano, que ama sua cidade, principalmente o centro, local de importância histórica e ancestral para o povo negro, onde também fica sua escola de samba do coração, a Vai Vai. Hoteleiro por vocação e paixão, com mais de 22 anos de carreira no setor. Ativista, militante, divulgador do AFROTURISMO como caminho de inclusão racial, diversidade, resgaste histórico e conexão ancestral por meio do turismo, visando uma sociedade melhor e a mais justa. Fundador da iniciativa Negros e Pretos Afro Turismo Afro Hotelaria, Co fundador Papo de Hoteleiro ,integrante da comunidade de inovação Inovadores Inquietos, Coletivo pelo Afroturismo, do Comitê da Diversidade no Turismo e apoiador de parcerias do Coletivo Quilombo Aéreo

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2 comentários

    • Ubuntu é sentimento que define ao ler seu comentário. É sobre nós, tudo que nóis tem é nóis e seja livre para viajar para onde quiser e puder. O objetivo deste Aquilombamento é justamente este , mostrar que o racismo não vai nos impedir de fazer nada do que temos direito. Grande abraço

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